impressionism - acoustic guitar solo / crítica de paulo bellinati

Desde o século XIX, muitas foram as adaptações feitas para violão a partir de partituras originais escritas para piano, violino, violoncelo e orquestra. Inúmeras composições consagradas se adaptaram completamente e algumas são até mais conhecidas na versão de seis cordas do que no instrumento para o qual foram criadas, como Astúrias, de Albeniz. Outras versões não deram tão certo e foram abandonadas, talvez pela enorme dificuldade técnica da transcrição, talvez pela empobrecida versão violonística.

Tudo começou por volta de 1890, quando o grande violonista e compositor Francisco Tárrega realizou várias transcrições, organizadas por ele em dois volumes, publicados como Obras Clássicas y Românticas. Esta coleção pioneira abriu uma nova fase para o violão contemporâneo, considerado então um instrumento menor, de rua, tolerado apenas quando acompanhava cantadores e menestréis.

“O Sonho de Tárrega” era elevar o violão à condição de solista, a um patamar semelhante ao do piano no âmbito do mundo erudito daquela época. Esta foi sua bandeira maior, seguida fervorosamente por seus discípulos mais ilustres, como Miguel Llobet e Emílio Pujol, e mais tarde pelo grande Andrés Segóvia. Foram eles que, pela primeira vez, tocaram os “grandes compositores” em seus concertos. Começaram a transcrever e apresentar obras de Bach, Handel, Mozart, Beethoven, Chopin e outros mestres, confirmando a idéia inicial de Tárrega de mostrar que o violão era de fato uma pequena orquestra e podia acolher o nobre repertório escrito para piano e outros instrumentos. Além disso, outro objetivo era o de motivar os compositores atuantes a escreverem também para violão, o qual sofria tremendamente pela escassez de literatura original, sendo esta mais uma importante razão para os violonistas recorrerem às transcrições.

Não tenho dúvida que esta semente plantada por Tárrega está completamente germinada em nossos dias. O violão está definitivamente consagrado como instrumento solista, presente no catálogo das grandes gravadoras e na programação das mais cobiçadas salas de concerto.

Além da gigantesca dificuldade de reduzir para seis cordas o que foi concebido para centenas de cordas, o desafio maior em adaptar qualquer projeto para violão solo é a inevitável comparação com as muitas versões do original gravadas anteriormente pelos mais renomados solistas. O resultado precisa ser igual ou superior ao que já foi feito, exigindo do arranjador e do intérprete um altíssimo nível de realização. Com este patamar estabelecido, poucos têm a possibilidade de alcançar algum destaque e de serem valorizados no mundo artístico atual.

O trabalho de Diogo Carvalho ultrapassa todas estas barreiras e vai muito além da intrincada elaboração técnica: consegue reproduzir fielmente a essência desta incrível música francesa que estabeleceu novos parâmetros para a composição no início do século XX.

Neste período, aconteceu uma revolução semelhante na pintura, e podemos traçar claramente um paralelo entre os artistas plásticos Monet, Degas e Manet, e o os compositores Debussy, Satie e Ravel. Novos caminhos para a criação foram definitivamente apontados por estes gênios do Impressionismo, iniciando uma nova era para as artes em todo o mundo.

Parabéns Diogo Carvalho por estes estupendos arranjos e por sua brilhante interpretação. Este CD já é um marco na história das transcrições e igualmente apontará novos caminhos para o enobrecimento ainda maior do nosso violão.

Agora sim “O Sonho de Tárrega” está realizado.